MONTES CLAROS, A SUDENE E O QUADRO POLÍTICO LOCAL






*Marcelo Valmor


Esse artigo é o último de uma série de três publicados aqui no O NORTE, e tenta, humildemente, dar conta, de forma a atender o leitor não especializado na política, das transformações políticas e econômicas que a cidade e região passaram a partir dos anos de 1950. Já nos anos de 1970 e 1980, o quadro desenhado é o seguinte.
O forte processo migratório descaracterizou socialmente a cidade. Bairros incharam e nasceram outros, a violência começou a aumentar, os problemas sociais triplicaram, e a falta de identificação do setor social com o grupo agropecuário que comandava a cidade era real.
Como havia uma proposta da elite local em reconduzir Toninho Rebello à prefeitura (fora prefeito em chapa única entre 1966-1970), a solução foi, segundo a própria Associação Comercial e Industrial-ACI, mostrar a toda população quem fora o administrador Toninho.
A despeito de toda sua competência, uma grande campanha de marketing político foi colocada em prática, e o resultado não poderia ser outro: Toninho fora eleito para governar a cidade pela segunda vez a partir de 1976.
Mas o problema mais grave para a sua segunda gestão estaria na segunda crise do petróleo no final dos anos setenta. O governo federal limitou recursos, o governo do estado, na época comandado por Francelino Pereira, até tinha simpatia e amigos no norte de Minas, mas isso não bastou para atender a insistente campanha de mais verbas para a região.
A concentração fundiária, que teria sido um aspecto dos anos sessenta, foi acentuada, a ponto do ex-prefeito Jairo Ataíde, na época presidente da Coopagro, denunciar, no jornal interno daquela instituição denominado O Iogurte, o processo migratório cada vez mais fortalecido e em direção à Montes Claros.
A partir de 1979 a falência de indústrias leva o então radialista Luiz Tadeu Leite a denunciar o cemitério que teria se transformado elas, e através da ZYD7 (a única emissora de rádio da época) atacar a administração Rebello denunciando o descaso com os bairros da cidade.
Mas se o forte processo migratório e a falência de empresas foi um agravante para a cidade, será essa mesma realidade que trará um dos maiores benefícios de toda a história local: o Programa Cidades de Porte Médio.
Esse programa, do governo federal, tinha como objetivo nomear cidades pólo para receberem investimento do poder público no sentido de fixar o homem do campo nesses locais, evitando que migrassem para os grandes centros e agravasse ainda mais o alto grau de violência e insatisfação da época. Natal, Juiz de Fora, entre outras, também foram beneficiadas. Mas a burocracia impediu que Toninho Rebello o executasse ainda na sua gestão.
O clima eleitoral de 1982, portanto, era extremamente favorável à oposição. Não foi à toa que o PMDB ganhou a prefeitura de Montes Claros a partir de um quase desconhecido. Nessa toada ficaram “na mão” Moacir Lopes (seria nomeado, posteriormente, por Tancredo Neves, Presidente da Ruralminas), Crisântino Borén, o próprio Toninho, entre outros. E a ascensão de Luiz Tadeu Leite será explicada a partir dos seguintes argumentos.
Em primeiro lugar, devemos levar em consideração que a sua liderança é do tipo carismática, ou seja, em momentos de crise esse elemento carrega, a partir da oratória, uma capacidade de reencantamento do mundo. Em segundo lugar, o forte processo migratório arrancou, mesmo que mal arrancadas, as raízes de um grupo político que vinha comandando a política da cidade há décadas. Em terceiro lugar, a disponibilização desse enorme contingente social para manipulação. Some-se à isso o fato de já existir um clima propício para a ascensão da oposição. O Novo Sindicalismo liderado por Lula, as críticas à Ditadura Militar, a Anistia que trouxe de volta vários exilados, entre eles Fernando Gabeira, Leonel Brizola e o nosso Darcy Ribeiro, ajudaram a compor uma nova realidade que lançou na rua milhões de pessoas decididas a dar seu voto nos partidos de oposição. O clima era de festa, e os militares, decididamente, não foram convidados para ela.
Por isso mesmo, em São Paulo, ganhou Franco Montoro (PMDB), no Rio de Janeiro, Leonel Brizola (PDT), e em Minas Gerais, Tancredo Neves (PMDB). Em Montes Claros não foi diferente. A gestão Toninho foi colada ao Regime Militar, e Tadeu passou a fazer parte das hostes oposicionistas, acrescentando-se a isso o discurso populista e a situação lamentável por que passava os bairros da cidade.
Os dois primeiros anos da gestão Tadeu foram de uma inoperância terrível. Somente no terceiro e quarto ano é que sua administração deslanchou amparada pelo Programa Cidades de Porte Médio. Mas para a aplicação de todos os recursos era preciso de mais tempo, e, num golpe de sorte, os mandatos foram prorrogados por mais dois anos, chegando o atual prefeito a seis anos de mandato.
Se a nossa elite política não se atualizou e entendeu as grandes mudanças sociais pelas quais a cidade passava, Tadeu Leite descobriu os bairros. E usava de um meio de comunicação – o rádio – para atingir o coração de milhares de ouvintes/eleitores. Foi a primeira grande ruptura política da cidade e região, e teria servido para renovar o grupo agropecuário, mas não foi o que se observou.
Jairo Ataíde, apesar de todas as suas qualidades e virtudes, não conseguiu levar adiante essa renovação, e o resultado não poderia ter sido outro. A população recusa Tadeu e elege Athos Avelino.
Também o grupo de Avelino não consegue criar um discurso e uma prática capaz de eliminar os ranços do clientelismo e do populismo na cidade, fruto, segundo a minha avaliação, da falta de comando político do prefeito, e pela falta de consistência política dos partidos que o apoiaram (PPS e PT). Não foi à toa que, tardiamente, se aproximou do PTB de Arlen Santiago.
O grande diferencial de toda a última campanha para a prefeitura foi o deputado Ruy Muniz. Empresário ambicioso, um dos maiores empregadores da região e com uma visão moderna e empreendedora, Ruy terá uma carreira política fulminante. De vítima de preconceito a um quase desconhecido nos bairros, é eleito o vereador mais votado de toda história política da cidade, fruto de um intenso trabalho político. Mas seus adversários conseguem impedir sua posse, que é confirmada por uma vitória esmagadora na última instância da nossa justiça. E dois anos de mandato como vereador foram mais do que suficientes para fazê-lo deputado estadual.
Seria mais do que natural que se lançasse candidato à prefeito. E não deu outra. Articulou, dentro do Democratas, uma grande aliança capaz de lhe dar suporte de tempo na televisão e espaço dentro do grupo dominante local. Acabou não sendo eleito. Mas, então, o que deu errado?
Em primeiro lugar, e apesar de toda sua determinação, uma eleição majoritária tende a levar muito em consideração um nome já cravado no imaginário local. Em segundo lugar, a aliança que costurou não lhe deu suporte suficiente. Exemplo claro foi o PSDB dividido, e ele tendo que trabalhar dentro e fora do partido para tentar emendar seus vários grupos. Em terceiro lugar faltou, segundo meu entendimento, uma assessoria mais intelectualizada, capaz de lhe apresentar o quadro histórico local, e, com percepção e tino, poder escolher suas diretrizes políticas. Em quarto lugar as traições, normais quando se trata de política, mas que fizeram estragos consideráveis, pois partiram, algumas delas, da cúpula da coligação que o apoiava. Em quinto lugar, confiou em demasia no seu setor de comunicação.
Mas se a política é cíclica, e Ruy sabe disso, as suas chances no próximo pleito, ao contrário do que os fatos demonstram, aumentaram significativamente, já que o desgaste de Athos dificilmente o levará de volta ao paço municipal, enquanto que Tadeu Leite, se não vierem recursos em monta, encontrará dificuldades para se reeleger. Por outro lado, os partidos de esquerda, notadamente o PT e o PPS, ao longo da história local, não conseguiram forjar lideranças com forte apelo popular.
Em artigo publicado no ano passado, apontei para Athos e Ruy no segundo turno. Evidentemente que política não é como matemática onde dois e dois são quatro. Mas se não fossem as práticas políticas escusas e que deveriam ser banidas de nosso país, como a distribuição de jornal de Belo Horizonte com supostas denúncias contra Ruy, essa previsão não teria se equivocado.
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*Professor, historiador e Mestre Culturas Políticas.

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