LULA, O BOLSA FAMÍLIA E MINHA UNHA ENCRAVADA.








*Marcelo Valmor


Quando era criança, por uma maldade dessas de irmão mais velho, acabei tendo uma unha do pé cindida ao meio, fruto de uma brasa que o meu irmão, Marcus Vinícius (Sapo), segundo as más e boas línguas, teria colocado sobre ela. A trajetória da dita cuja desde então foi de se contorcer eternamente, me dando as dores desse problema, mas servindo também, às vezes, de momento de reflexão. E refletir cortando uma unha é para poucos.
Em alguns desses momentos me coloquei a pensar sobre o que representaria para o país a instituição de medidas públicas com vista a amenizar o grau de sofrimento de várias famílias carentes: o bolsa família. Para além da sua constatada necessidade, atentaremo-nos aos aspectos políticos que o compõe.
Para que possam compreender o meu raciocínio, vamos ao populismo. Aquilo que comumente se entende como populismo assegura que tal sistema comportaria um forte processo migratório campo/cidade, a disponibilização, por isso mesmo, de um enorme contingente social, disponível para manipulação através da presença de uma grande liderança carismática tão ao gosto de Max Weber.
Por isso mesmo, tal liderança dispensaria os canais tradicionais de comunicação do Estado com a sociedade (Congresso Nacional, sindicatos, igreja, etc.), e trataria, ela mesma, de estabelecer relação direta com toda a população, sem intermediários. Nossa história política estaria atravessada desse personagem. Tadeu Leite, num plano menor, seria o nosso representante em Montes Claros, mas em termos macro podemos citar Getúlio Vargas, Brizola, João Goulart (Jango), Jânio Quadros, e vai por ai afora.
Quando o país passou pelo processo de redemocratização a partir de 1985, uma das preocupações dos futuros governantes foi a de tentar criar políticas de apoio a uma parcela da população dessassistida pelo poder público. O quadro era terrível. Sobretudo no nordeste brasileiro, a quantidade de famílias passando fome e, conseqüentemente, sem enviar seus filhos para a escola ameaçava o status quo da elite nacional. Era preciso tomar medidas rápidas para amenizar essa ameaça: nascia o bolsa família.
A princípio tal benefício seria transitório a partir do momento que a família assistida conseguisse andar com suas próprias pernas. Mas ao longo desses anos assistimos na verdade a um outro filme.
Criado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e potencializado pelo governo Lula, o bolsa família nasceu para ser recebido pela mulher da casa e não pelo homem (alcoolismo e drogas desviariam esse dinheiro) e seria sacado em banco ou casa lotérica via cartão, eliminando o atravessador, o político oportunista e clientelista que sempre fez política rasteira com as verbas federais manipulando os municipais. Resolvido esse problema? Ledo engano.
Se resolveu as coisas em âmbito municipal, no plano federal assistimos ao retorno e sofisticação de uma prática política que pensávamos estar somente nos livros e em Montes Claros: o populismo.
É sabido que o Partido dos Trabalhadores (PT) nunca conseguiu muitos simpatizantes dentro da classe média. O seu forte sempre foi a classe C, sobretudo aquele setor empregado e organizado (sindicatos e associações públicas). A classe média sempre foi uma inimiga dos movimentos de esquerda, pois seria uma trincheira conservadora que atrasaria a luta de classes e a implantação da Ditadura do Proletariado. É chamada de pequeno burguês. Votou contra Lula nas suas primeiras candidaturas à presidência da república, e só mudou o voto em direção à esquerda quando o mesmo deixou de ser uma ameaça revolucionária e se transformou no “Lulinha paz e amor”.
Mas a esquerda não demorou em dar o troco. Tão logo chegou ao poder colocou a classe média para escanteio e elegeu o miserável como sócio nessa sua jornada terrena. Se o Lula precisava da classe média para convencer o pobre a votar nele, agora, com o bolsa família ele vai direto ao sujeito e arranca quase 70% de aprovação para um governo que, a rigor, sustenta uma política econômica herdada do seu antecessor.
Mas a grande novidade petista, sem dúvida, foi a de rebatizar o populismo para Lulismo. Desprezo aos partidos políticos, políticas assistencialistas, uma grande liderança carismática não se constituiria populismo tal qual descrito no início desse artigo? O país com o Partido dos Trabalhadores (PT) na oposição avançou. Com ele no governo parece que nada mudou. Ah! Esqueci-me. Algo mudou, algo se quebrou. O seu nome foi alterado pelo ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho: virou o partido da boquinha, e do neopopulismo, é claro.



*Professor

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